É a forma que toma a concubina do sacerdote. Na noite de quinta para
sexta, transforma-se num forte animal, de identificação controvertida na
tradição oral, e galopa, assombrando quem encontra. Lança chispas de
fogo pelas narinas e pela boca. Suas patas são como calçadas com ferro. A
violência do galope e a estridência do relincho são ouvidas ao longe.
Às vezes soluça como uma criatura humana.
O encanto desaparecerá quando alguém tiver a coragem de arrancar-lhe da
cabeça o freio de ferro. Dizem-na sem cabeça, mas os relinchos são
inevitáveis. Quando o freio lhe for retirado, reaparecerá despida,
chorando arrependida, e não retomará a forma encantada enquanto o
descobridor residir na mesma freguesia. A tradição comum é que esse
castigo acompanha a manceba do padre durante o trato amoroso (J. Simões
Lopes Neto, Daniel Gouveia, Manuel Ambrósio, etc.). Ou tenha punição
depois de morta (Gustavo Barroso, O Sertão e o mundo).
A Mula sem cabeça corre sete freguesias em cada noite, e o processo
para seu encantamento é idêntico ao do Lobisomem, assim como, em certas
regiões do Brasil, para quebrar-lhe o encanto bastará fazer-lhe sangue,
mesmo que seja com a ponta de um alfinete. Para evitar o bruxedo, deverá
o amásio amaldiçoar a companheira, sete vezes, antes de celebrar a
missa. Manuel Ambrósio cita o número de vezes indispensável, muitíssimo
maior (Brasil Interior). Chamam-na também Burrinha de padre ou
simplesmente Burrinha. A frase comum é "anda correndo uma burrinha".
E todos os sertanejos sabem do que se trata. Em um dos mais populares
livros de exemplos na Idade Média, o Scala Celi, de Johanes Gobi
Junior, há o episódio em que a hóstia desaparece das mãos do celebrante
porque a concubina assiste à missa (Studies in the Scala Celi, de Minnie
Luella Carter, dissertação para o doutorado de Filosofia na
Universidade de Chicago, 1928). Gustavo Barroso supõe que a origem do
mito provenha do uso privativo das mulas como animais de condução dos
prelados, com registros no documentário do século XII.
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